quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

DICAS PARA SE DAR BEM NA COZINHA!!



Ciência que se põe à mesa


Entender como cada alimento se comporta durante o preparo é a receita principal para uma refeição à prova de falhas




Ok, não vamos embarcar nessa de receitas infalíveis. Qualquer prato está sujeito a intempéries. O ritual é sempre o mesmo: um dia a maionese talha, o suflê murcha, a carne endurece. Mas antes de questionar os dotes do chef, vale lembrar que na culinária tudo influencia: os ingredientes, a temperatura, o recipiente, os utensílios. Portanto, quanto mais você sabe sobre o que manuseia, maior a chance de fazer uma refeição para se comer rezando. “Compreender nossa comida – de onde ela vem, de que é feita, o que acontece quando cozinhamos – alimenta nosso intelecto e pode contribuir bastante para nossa satisfação, tanto em cozinhar quanto em comer”, sugere o químico Robert L. Wolke no livro O que Einstein Disse a Seu Cozinheiro.
É esse o fundamento da gastronomia molecular, que busca estudar o que acontece física e quimicamente com a comida a fim de aprimorar sabor, aspecto e aroma. Tudo para criar novos métodos e técnicas – e aperfeiçoar os já existentes. Esse ramo da culinária é mais conhecido pelas espumas e geleificações malucas de chefs como o catalão Ferran Adrià. Mas nem só de sopas sólidas e gelatinas quentes vive a gastronomia molecular. O químico Hervé This, precursor do movimento, por exemplo, usa a técnica não só para estimular os sentidos, mas também potencializar o rendimento dos alimentos.
Embora o emprego do termo seja recente, o flerte entre a ciência e a culinária data de séculos. Em 1681, o físico Denis Papin inventou a panela de pressão enquanto buscava um meio de amolecer os ossos. Houve também quem morresse pela causa, caso do inglês Francis Bacon, que, ao tentar descobrir o efeito conservador do frio, parou numa nevasca para encher um frango de gelo e morreu de bronquite, dias mais tarde. Muitos anos e experimentos depois (menos traumáticos, esperamos), a gastronomia molecular está aí, a serviço de quem aprecia preparar um bom prato mas não quer chegar a ele por tentativa e erro. Descubra como a ciência explica os preceitos empíricos que usamos diariamente e aprenda truques que nem a vovó sabia.
Geleia no ponto 
De cara, parece simples. É só levar fruta e açúcar ao fogo e... zapt! – está pronta a geleia. Por que então algumas ficam líquidas e outras empapam? A resposta está na pectina (ou na falta dela). Essa fibra solúvel presente nas frutas é que dá o toque gelatinoso. Mas para isso ela precisa de um ambiente ácido – por isso é que as frutas cítricas dão as melhores geleias. Mas é possível arriscar outros frutos que sua criatividade ou paladar permitirem na hora de criar uma geleia para o café da manhã. Basta acrescentar umas gotinhas de limão à receita criando, assim, a acidez necessária. O açúcar também tem uma função maior do que simplesmente adoçar. A quantidade deve ser grande, já que ele aumenta a temperatura de ebulição da mistura, ajudando a liberar mais pectina. Interessado em testar? “A medida perfeita é usar o mesmo volume (e não peso) de fruta e açúcar e só acrescentar limão àquelas menos ácidas, como a manga”, afirma a nutricionista Andréa Esquivel, especialista em Gastroenterologia e Gastronomia. Depois de colocar a geleia no pote (de preferência, bem vedado), a dica do chef executivo Marcelo Pinheiro, do Intercontinental Hotel, é ferver o recipiente em banho-maria por 45 minutos para liberar o oxigênio presente, criando um processo de pasteurização artesanal que elimina bactérias e conserva o doce por mais tempo
Peixe é no papelote 
A menos que a pedida da noite seja sashimi, a melhor forma de comer peixe é preparando-o no papelote (técnica que consiste em embrulhar a carne em papel-manteiga ou alumínio). “Assim ele cozinha em seu próprio suco e preserva seus nutrientes e proteínas que, frágeis, se desnaturam quando expostas a mais de 65ºC”, diz Dan Waitzberg, diretor do Ganep Nutrição Humana e professor do departamento de gastroenterologia da USP. Depois de temperá- lo com azeite e ervas – que, além de perfumar, matam os microorganismos que deterioram os alimentos –, leve ao forno baixo por, no máximo, dez minutos (no caso de filés com 2,5 cm de espessura). Segundo Andréa, a técnica ainda tem outro trunfo: como o papelote geralmente é aberto na mesa, as notas aromáticas vão todas diretamente para suas narinas, estimulando a salivação e preparando o organismo para a digestão.
Assada, não ressecada

Existe uma série de delitos que são cometidos quando o assunto é preparar um assado. O primeiro deles, muitas vezes, é cometido ainda no açougue. A peça deve ser cortada através das fibras. “Desse modo, além de abrir espaço para o tempero entrar, você não deixa para seus dentes a árdua missão de quebrá-las na mastigação”, conta Marina Queiroz, professora de Cozinha Contemporânea do curso de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi. Mas, ao contrário do que se pensa, espetar a carne crua com um garfo para temperar não funciona a seu favor. Na hora em que deveriam estar abertos para absorver os temperos, os furos se fecharão. E, na hora em que deveriam se manter fechados, durante o cozimento, eles se abrem, deixando vazar os sucos. Como por trás de um bom assado há sempre uma boa marinada, vale a pena investir algumas horas nessa etapa. Acrescente líquidos ácidos como limão, vinagre e vinho só nos momentos finais, pois esses ingredientes podem acelerar a cocção da receita – e você não vai querer sua carne cozinhando enquanto espera as oito horas da marinada, vai? Ao levar o assado ao forno, opte por um recipiente de cerâmica. “O material conduz melhor o calor e permite que a temperatura não oscile tanto de uma parte para outra da peça”, diz Marcelo.
Aves cheias de graça

Nem todo frango assado precisa vir do forno da padaria (e o peru não precisa esperar até o Natal para dar o ar da graça). Fazer aves é simples, uma vez que se descobre como cozinhar partes que ficam prontas em diferentes temperaturas e velocidades. Primeiro, é fundamental amarrar as pernas com barbante. Soltas, fazem com que a ave perca muito líquido e resseque. Também é importante cobrir as asas – que são as primeiras a assar – com papel alumínio. Marina sugere levar a ave ao forno alto (cerca de 190ºC) por cerca de 30 minutos ou até que comece a dourar. Esse processo, chamado de selar a carne, fecha os poros, impedindo os sucos de sair. Os próximos passos são tirar o papel alumínio das asas, baixar o fogo e deixar que asse por uma hora (no caso de uma ave de 1 quilo). Para saber a hora de retirá-la do forno, observe o líquido da travessa, que fica transparente quando a ave está pronta. Por último, deixe-a descansar por dez minutos antes de cortar. Isso garante que ela fique mais tenra.
Cada massa, um molho

Você pode passar horas escolhendo o melhor vinho para acompanhar sua massa, mas se ela não for servida com o molho adequado, toda a refeição pode vir por terra. Isso porque cada formato pede um tipo diferente de molho. As finas e lisas, como talharini, combinam com molhos cremosos; já as massas com formatos do penne e do fusilli casam com molhos com linguiça e cogumelos, já que conseguem “agarrar” os pequenos pedaços desses ingredientes. E não é à toa que o espaguete largo é frequentemente servido com molho de tomate. Ele tem mais espaço entre os fios e permite que esse molho se incorpore melhor à massa. Uma dica: ao ferver o macarrão, o único ingrediente a ser adicionado à água deve ser o sal. Quando incluímos óleo, tornamos sua superfície escorregadia, dificultando a aderência do molho. E, falando nele, para acertar a versão caseira do tradicionalíssimo molho de tomate, é preciso tirar a pele e a semente (que contêm ácido cítrico) para diminuir a acidez. Algo que as matronas italianas fazem há gerações, antes mesmo da gastronomia molecular aparecer para roubarlhes o segredo.
PARA SABER MAIS Molecular Gastronomy – Exploring the Science of Flavor, Hervé This, Columbia University Press Um Cientista na Cozinha, Hervé This, Ática O que Einstein Disse a Seu Cozinheiro 1 e 2, Robert L. Wolke, Jorge Zahar


http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/087/comer/conteudo_519191.shtml